Percebo que estou me calando. Já não sou mais aquele tagarela dos anos passados. Não, não é a idade! É a falta de credibilidade que a igreja evangélica me passa. Claro, não são todas as igrejas que perderam o seu principado, mas as que têm ofuscado o evangelho de Cristo, fazem muito estrago. Esta apatia eclesiástica sufoca a minha alma e faz emudecer os meus lábios. As ideias que nascem no meu coração estão debilitadas demais para atravessar o portal da minha boca e se transformar em palavras.
Percebo que olhos andam serrados, quase fechados. Eles não têm contemplado as flores do jardim regado e cuidado pelas mãos divinas. A igreja está mais para uma rua esburacada, depois do transbordar de cisternas e bueiros fétidos, do que para um jardim. Cheira mal àquela que deveria exalar o bom perfume de Cristo. Caciques, ditadores, empresários da fé e atores de púlpito estão despindo a noiva de Cristo. Não se faz assim com alguém comprometido, com quem vai se casar. Toda noiva deve se revestir de pureza para o seu amado.
Percebo que não estou ouvindo bem. Tenho dificuldade em discernir o barulho do martelo dos obreiros e as ensurdecedoras latas vazias que fazem zunir os meus tímpanos nos púlpitos ocos das igrejas. O que ouço, não é barulho de ossos batendo ressurretos, como na visão de Ezequiel, mas de caixões se fechando, de liturgia fria e honrarias fúnebres em andamento. Não estamos caminhando para a ressurreição espiritual, mas para o sepultamento da fé cristã!
Percebo que estou me retraindo, me fechando. A luz da ribalta, tão almeja pelos pregadores de palco, está me fazendo muito mal! Meu ânimo sai de mim como jatos de vômitos insuportáveis. Sinto-me melhor na casa enlutada do que nas danças e cortejos festivos. Procuro insistentemente por cultos, mas só encontro celebrações.
Percebo, instintivamente, que estou selecionando tudo. Tudo passa pelo crivo da minha criticidade ferida. Gente, livros e eventos são pesados e medidos. Minha alma insiste em não julgar, visto que sou o maior dos pecadores, mas não é uma questão de orgulho ou superioridade, é sim, a luta pela sobrevivência espiritual. Se o EU interior sucumbir ou se entregar, o homem exterior já pode ser conduzido à tumba fria.
Percebo que a minha metamorfose física não é maior que da igreja brasileira, pois os pecados de ontem não são iguais aos de hoje. A busca pelos primeiros lugares, o sucesso da audiência cultual e o abandono intencional dos pobres e aflitos, caracteriza o secularismo destas terras doentias aqui. O grande escândalo deste tempo, é que os templos são mais bem preservados e cuidados do que as almas das pessoas. Nestes dias tenebrosos, o recipiente está valendo mais que o conteúdo.
Percebo, que a minha geriatria, não está totalmente demente, pois estou estarrecido, perplexo e alerta com o barulho ensurdecedor do completo silêncio do céu! O calar de Deus me enche de pavor e faz o meu coração tremer! Para quem já viveu muito anos por aqui, já sabe , por experiência própria, que tudo que demora chegar, quando chega, chega pra ficar...
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